27 de nov. de 2013

Palestra: ruas e pertencimento



Graziela Andrade

Luiz Carlos Garrocho, Thereza Portes e Wilson de Avellar compuseram a mesa que encerrou o ciclo de palestras de Outra Presença, tratando do tema Acontecimento e performatividade na rua. Os três artistas e educadores falaram de suas experiências, respectivamente, no CEFAR (Palácio da Artes), na Galeria Undió e no Arena da Cultura.

Wilson Avellar, Thereza Portes e Luiz Carlos Garrocho. (Foto: Luiza Palhares)


Garrocho questionou a relação das pessoas com a cidade, tida como um lugar disperso, de passagem, onde se há cada vez menos possibilidades de encontro. Segundo ele, existe uma espécie de cidade “subterrânea” que não é vista pelos seus cidadãos, que muitas vezes comportam-se como turistas em sua própria cidade. Neste cenário a presença do artista e da performance nas ruas da cidade é uma espécie de microrresistência que pode apontar para a necessidade de uso dos espaços de pertencimento das pessoas.
No entanto, para Garrocho, o artista deve sempre se perguntar sobre suas necessidades e motivos de atuar na rua, uma vez que o narcisismo pode falar mais alto em algumas circunstâncias. Em relação a isso, ele citou algumas sugestões que dá aos seus alunos no exercício de “acontecer” na rua: que realizem pequenas escutas de seu próprio corpo, que se lembrem de que o outro é coautor da paisagem e tem capacidades performativas desconhecidas e que jamais imponham a esse outro sua liberdade.

Avellar, por sua vez, falou sobre seus trabalhos mais recentes que têm tido como desafio a busca pelo silêncio na extensão do tempo. Comentou sobre a reação das pessoas diante da simples presença de um corpo estático, vestindo branco, em meio a encruzilhadas em que estão centenas de transeuntes. Quanto ao trabalho no Arena, ele mencionou a potência do espaço em reunir artistas com trabalhos em diversas linguagens, a fim de trocar experiências entre eles e com os alunos – lembrando ainda que o projeto passa por transformações positivas que poderão lhe garantir maior consistência e perpetuidade no que tange a formação artística. Por fim, o artista sugeriu a necessária busca por uma estética da alegria nas artes, ainda que não se saiba bem como alcançá-la.

Retomando a história da família, Thereza demonstrou como surgiu o Instituto Undió que, atualmente, tem sua sede e grande parte das atividades exercidas na Rua Padre Belchior no centro de Belo Horizonte – nas mesmas casas onde nasceram a artista e sua mãe, também artista plástica. Memória e construção parecem ser os fundamentos principais dessa ONG, um espaço acolhedor que recebe jovens interessados em formação artística e promove também um grande intercâmbio entre os artistas da cidade. Apresentando alguns trabalhos realizados em conjunto com vários desses artistas que por lá circulam, Thereza demonstrou com a presença do Undió naquela rua é transformadora do próprio ambiente que foi constituído. E, ainda, a maneira como isso interfere, não só na vida dos adolescentes frequentadores como também, em alguma medida, na dos que habitam ou frequentam os arredores. 

As apresentações de ontem deram origem a um rico debate a respeito desta outra presença artística pelas ruas da cidade, em que os corpos, de um modo geral, experimentam a sensação de pertencerem ao que, em verdade, os pertence: Belo Horizonte.

Aconteceu no museu: Domingo em cores



Graziela Andrade

A chuva fina que caiu domingo passado fez destacar ao longe, no início do jardim do MAP, guarda-chuvas coloridos que se plantaram, provisoriamente, na paisagem. O cenário multicores carregou-se de poesia, seja pela simples presença ambulante dos integrantes da Obscena, seja pelo compartilhamento dos textos lidos em voz alta para o público.    
 
Cores da Obscena em Pequenas Estações. (Foto: Luiza Palhares)

Pela singela ação de deslocamento dos artistas a performance “Pequenas estações” foi capaz de criar convidativas e desaceleradas composições espaciais, que preencheram todo o salão nobre do MAP, puramente pela presença desses corpos de baixa cadência e fortes tons. 

Logo depois, no espaço multiuso, uma máquina de algodão doce fazia par com Noemi Assumpção, na segunda performance do dia: Encasulamento. O objeto, que a princípio poderia se referir ao universo lúdico e fantasioso das memórias da infância, fez as vezes de um "monstro engolidor" na medida em que a artista, compulsivamente, foi cobrindo seu corpo com as tramas de açúcar cuspidas pela máquina. O corpo e o doce foram se fundindo até que se tornaram uma só coisa: grudados, avolumados e abstrusos.

 
Noemi Assumpção envolta em algodão doce. (Foto: Luiza Palhares)



A beleza branca inicial amarelava-se, derretia-se, impregnava o corpo e apontava para o fato e para as consequências da ingestão do “veneno branco” de cada dia. É assim que a artista se refere ao açúcar para dizer da excessiva presença de alimentos industrializados na dieta da sociedade atual. Em Encasulamento, o corpo engolido pelo açúcar evidencia o desequilíbrio nesta balança de consumo. 
 
Voltando ao Salão Nobre podíamos ver uma nova ocupação do espaço. Dudude Hermann armara um cenário de limpeza e deu início a uma espécie de dança da faxina em Des Dobra. Com bom humor e a trilha sonora de um radinho de pilha, a artista distribuiu seus apetrechos entre os espectadores que auxiliaram na limpeza: varrendo, passando pano ou esfregando o próprio corpo no chão.



A faxina de Dudude. (Foto: Luiza Palhares)


Finalizada a faxina coletiva, recolhido e organizado o material usado, foram espalhados pelo salão livros de arte embalados por folhas coloridas. Em seguida Dudude também pediu para ter o corpo revestido por essas cores. E assim, terminaram arte e artista, embrulhados para presente.

O embrulho da arte. (Foto: Luiza Palhares)