Graziela Andrade
Ontem, nas obras apresentadas no
MAP, uma vez mais houve uma provocação dos limites entre o dentro e o fora. Canteiros, de Marco Paulo Rolla em
companhia de Fernanda Polse e Inácio Mariano, fez exalar no grande salão do
museu um cheiro de jardim em poda. Dobras,
de Ana Luisa Santos, fez desaparecer o corpo em mais um invólucro, para além da
pele que nos cobre e nos abre ao mundo.
Em princípio, a presença dos
corpos em Canteiros era dissimulada. Deitados
em seus cantos, praticamente imóveis e cobertos por flores e plantas, os três
corpos parecem preparados para serem velados. Havia de se chegar bem próximo do
arranjo de grama humano, para enxergar partes nuas de um alguém que se
confirmava vivo por pequenos movimentos e sons que lhe permitiam a comunicação
com o outro, com o exterior.
Canteiros, Marco Paulo Rolla. (Foto: Luiza Palhares) |
No momento da performance, o museu recebeu a visita
daqueles que talvez sejam os mais singulares e desprevenidos intérpretes da
arte contemporânea: as crianças. Depois de receberem todas as instruções das
arte-educadoras do museu – não toque, não grite, não corra – elas entraram pé
ante pé no grande salão e iniciaram os grandes questionamentos que o auge de
seus cinco ou seis anos de idade permitem - Achei
um pé aqui! Tem uma cara também! É um monstro? Até que uma das crianças não
teve dúvidas e deu por encerrado o assunto: É
um corpo.
Corpo que também desapareceu na
espécie de mortalha que Ana Luisa tecia sobre si mesma, enrolando-se em uma
enorme e enclausurante folha de papel branco. Ali a vida também se provou pelo
movimento e pelas poéticas formas que dele emergiram e fizeram correr a
imaginação, como quando tentamos encontrar bichos em nuvens. Delicada, na mesma
potência em que angustiante, Dobras também
foi “resolvida” pelo olhar de uma criança, talvez incomodada pelo meio como a
artista se embolara: - Fácil! É só pegar
uma tesoura e cortar o papel.
Sem tesoura e sem poros pra se haver
com o mundo nessa terceira pele de papel, Ana Luisa teve de se empenhar e se desdobrar
para dar conta de sair do emaranhado que criara – assim como nos exige a vida
adulta. Já as figuras de Canteiros
ressurgem exatamente do corte. Empunhando tesouras elas começam a se
desvencilhar de todo o mato que as recobre e, erguendo-se, elas parecem libertar
o corpo do grande medo da humanidade, o da morte.
Esse corpo que esvanece no papel
ou no mato é símbolo de nosso certeiro desaparecimento do mundo. O rasgo e o
corte por ele provocados dizem do nosso desejo de permanência. Mas, sem dúvida,
são curiosas e, por vezes desejosas, as soluções infantis que nos permitiriam,
com o poder de tesouras mágicas, interromper a inevitável linha entre a vida e a
morte.
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