9 de nov. de 2013

ACONTECEU NO MUSEU: dos Canteiros, Dobras e desaparecimentos do corpo

Graziela Andrade


Ontem, nas obras apresentadas no MAP, uma vez mais houve uma provocação dos limites entre o dentro e o fora. Canteiros, de Marco Paulo Rolla em companhia de Fernanda Polse e Inácio Mariano, fez exalar no grande salão do museu um cheiro de jardim em poda. Dobras, de Ana Luisa Santos, fez desaparecer o corpo em mais um invólucro, para além da pele que nos cobre e nos abre ao mundo.

Em princípio, a presença dos corpos em Canteiros era dissimulada. Deitados em seus cantos, praticamente imóveis e cobertos por flores e plantas, os três corpos parecem preparados para serem velados. Havia de se chegar bem próximo do arranjo de grama humano, para enxergar partes nuas de um alguém que se confirmava vivo por pequenos movimentos e sons que lhe permitiam a comunicação com o outro, com o exterior.

Canteiros, Marco Paulo Rolla. (Foto: Luiza Palhares)


No momento da performance, o museu recebeu a visita daqueles que talvez sejam os mais singulares e desprevenidos intérpretes da arte contemporânea: as crianças. Depois de receberem todas as instruções das arte-educadoras do museu – não toque, não grite, não corra – elas entraram pé ante pé no grande salão e iniciaram os grandes questionamentos que o auge de seus cinco ou seis anos de idade permitem - Achei um pé aqui! Tem uma cara também! É um monstro? Até que uma das crianças não teve dúvidas e deu por encerrado o assunto: É um corpo.


É um corpo!  (Foto: Luiza Palhares)

Corpo que também desapareceu na espécie de mortalha que Ana Luisa tecia sobre si mesma, enrolando-se em uma enorme e enclausurante folha de papel branco. Ali a vida também se provou pelo movimento e pelas poéticas formas que dele emergiram e fizeram correr a imaginação, como quando tentamos encontrar bichos em nuvens. Delicada, na mesma potência em que angustiante, Dobras também foi “resolvida” pelo olhar de uma criança, talvez incomodada pelo meio como a artista se embolara: - Fácil! É só pegar uma tesoura e cortar o papel.

Dobras, Ana Luisa Santos. (Foto: Luiza Palhares)

Sem tesoura e sem poros pra se haver com o mundo nessa terceira pele de papel, Ana Luisa teve de se empenhar e se desdobrar para dar conta de sair do emaranhado que criara – assim como nos exige a vida adulta. Já as figuras de Canteiros ressurgem exatamente do corte. Empunhando tesouras elas começam a se desvencilhar de todo o mato que as recobre e, erguendo-se, elas parecem libertar o corpo do grande medo da humanidade, o da morte.

Tesouras em punho. (Foto: Luiza Palhares)

Esse corpo que esvanece no papel ou no mato é símbolo de nosso certeiro desaparecimento do mundo. O rasgo e o corte por ele provocados dizem do nosso desejo de permanência. Mas, sem dúvida, são curiosas e, por vezes desejosas, as soluções infantis que nos permitiriam, com o poder de tesouras mágicas, interromper a inevitável linha entre a vida e a morte.

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