3 de nov. de 2013

Aconteceu no Museu: performances e polÍticas

Graziela Andrade

O inédito Indiferença foi o primeiro trabalho a ser apresentado ontem no MAP. Nesta estreia o artista e também poeta Renato Negrão buscou explorar o lastro semântico da palavra que dá título a obra e que, segundo ele, é deliberada para quem a comete e dramática para quem sofre.

Indiferença, Renato Negrão. (Foto: Luiza Palhares)
Na performance, o corpo do artista arrasta um outro, feito de plástico, com formas que lembram a humana. Incolor, translúcido, atravessado, o plástico foi eleito como o dispositivo material que sugere a indiferença. E dele fez-se um corpo, um objeto relacional – com inspirações em Lygia Clark. Esse corpo, por vezes incômodo nos ajustes que exige e, por outras, confortável em sua leveza vagante, perde a forma para atravessar o artista. Neste ponto, o corpo plástico é desfeito em um movimento contínuo, deslocando-se das costas para o torso do corpo artista. Marca-se, assim, o fim do diálogo entre corpos e também o fim da subjetivação do objeto que, de volta à origem, torna-se nada mais que plástico - pura indiferença.

O plástico "atravessa"o corpo do artista. (Foto: Luiza Palhares)
Renato destaca ainda a relevância de Outra Presença no MAP, afirmando que a arquitetura do prédio de Niemeyer é, ao contrário do que possa parecer, convidativa: “não me sinto intimidado com isso, a arquitetura social da cidade é que não se mostra aberta”. Nesse contexto, ele evidencia a importância do olhar que dirigiu a exposição para propor mudanças. “É importante a gente saber que há diálogo, que a cidade percebe seus artistas e o que acontece aqui de maneira mais ativa. Assim, o espaço deixa de ser encastelado para pertencer mais às pessoas.”

Em seguida, outro corpo político invadiu a cena. Juraci – performance de Ed Marte – caminha pelo grande salão, vestido com roupas de cor laranja e carregando uma grande maleta de ferramentas. Ele se aproxima de um grupo de pessoas e diz: “Eu soube que pediram um gás aqui”. Faz-se, daí, uma espécie de via sacra pelos ambientes do museu em que o artista simplesmente caminha e observa os objetos, enquanto, atrás dele, o público segue à espera do que irá acontecer. Acontece que ele pára diante de um espelho - e exibe os objetos da sua caixa de ferramentas transfigurantes.

Ed Marte, em Juraci. (Foto: Luiza Palhares)

No espelho ele se despe e, lentamente, em uma liturgia gestual feminina, começa a se travestir. Calcinha, meias, maiô, salto alto, maquiagem, óculos de sol, bolsa, perfume, celular, nenhum detalhe é esquecido, e cada ato é enriquecido com interações e provocações ao público. Desfilando, ele finaliza a produção e passa a entregar alegóricas notas de um real em troca de abraços, dados em toda pessoa de quem se aproxima. Um abraço, podemos imaginar, que simboliza encontro e unidade, para além das dicotomias que insistem em cercar o corpo. Juraci, enfim, não é homem ou mulher, é o corpo que ele bem quiser.

"Estou pronta." (Foto: Luiza Palhares)
 O encerramento do dia de performances em Outra Presença levou ao palco do auditório do MAP a velha guarda do Quarteirão do Soul, “família de rua” que costuma se apresentar, em Belo Horizonte, debaixo do viaduto Santa Tereza e na praça Sete. Trajados à rigor, os antigos frequentadores dos bailes de black music dos anos 70 representam não só a resistência de tempos em que o preconceito racial e social era ainda mais perverso do que hoje, como também a continuidade e progressão de uma batalha sócio-cultural, enfrentada como muita música e dança. 

Quarteirão do Soul. (Foto: Luiza Palhares)
Nesse ritmo, o dj Geraldinho - conhecido lavador de carros na região do mercado central, durante a semana – fez todo mundo cair na improvisada pista de dança do MAP, nos embalos do Quarteirão do Soul. Outra Presença teve assim um dia caracterizado pelas atuações políticas do corpo na arte, discutindo questões que tangem à discussão de gênero, ao preconceito racial e à indiferença social. 

"Pista de dança" no MAP. (Foto: Luiza Palhares)

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