20 de nov. de 2013

Aconteceu no museu (domingo): Corpo à prova



Graziela Andrade

Logo pela manhã, Wagner Rossi construiu sua habitação no mezanino do museu, tendo a lagoa como paisagem de fundo. Nela, ele se instalou acompanhado por alguns apetrechos que lhe permitiram interagir pela transparência do plástico e passar parte do dia “enjaulado”, sob os olhos de passantes curiosos. 

Wagner Rossi em sua habitação. (Foto: Luiza Palhares)

Já no começo da tarde, Priscila Rezende também provocou amarras na performance Laços. Podemos pensar que no cerne da proposta da jovem artista está o eterno enigma filosófico que interroga o imbricamento entre o eu, o sujeito e o corpo. O que minha aparência diz a respeito do que sou? O que, do que dizem para mim e sobre mim, é realmente meu? Que palavras guardam meu corpo?

Laços, de Priscila Rezende. (Foto: Luiza Palhares)

Buscando se descolar do discurso do outro, Priscila desnudou e expôs seu corpo a dor, em um rito no qual piercings eram instalados em sua pele e davam passagem a fitas vermelhas que, em seguida, eram amarradas aos pilares do salão nobre do MAP. O resultado dessa ação pode ser interpretado através da imagem que se forma, ou seja, a de um corpo que sustenta e é sustentado por suas próprias amarras.

O curioso é que ao fim da obra, no momento de se livrar dos nós, os acionados para desfazer os laços vieram do público – figuras que são a representação do outro e de quem, definitivamente, não é possível "se livrar".

Entrelaçamentos no MAP. (Foto: Luiza Palhares)

Em mais uma passagem por Onde habito não existe mosquito, a solitária tela plástica de Wagner já se apresentava em transição, ou melhor, em apropriação pelo homem que ela, ao mesmo tempo, isolava e exibia. O espaço construído começara a apresentar os rastros da presença de um corpo e de suas interações com o que lhe era externo, assim se espalharam por aquela interface registros textuais, imagens, folhas e buracos, que foram propondo atravessamentos entre o dentro e o fora.


Onde habito não existe mosquito, de Wagner Rossi. (Foto: Luiza Palhares)

Enquanto isso dava-se início a mais uma provação ao corpo em Revolver: para sua segurança, de Mendes Jacinto. A proposta explicita a violência cotidiana a qual estamos expostos e que, a qualquer instante, pode fazer de nossos corpos, alvo de um projétil inesperado. Um estêncil fez surgir, durante a performance, a imagem de um revólver que era encarado pelo artista, enquanto uma enfermeira lhe tirava o sangue, completando tubos laboratoriais. O destino do fluido foi preencher os cartuchos para os quais a arma imaginária apontava

Revolver, de Mendes Jacinto. (Foto: Luiza Palhares)

É tão certeira e manifesta a questão proposta por Mendes, como é o problema da violência humana, visto, experimentado e enfrentado diariamente por todos nós. Mas, para além dessa evidência, é tão obscuro o caminho do combate à brutalidade humana quanto é exato o fato de que, não há volver no disparo de uma arma.

A esta altura rompera-se no mezanino o invólucro plástico que fazia solitário, mas comunicável o corpo que abrigava. Cerca de seis horas de habitação deixaram o espaço apropriado por Wagner com inúmeros registros sensíveis que puderam ser percebidos pelos mais interessados, enquanto ocupavam o cercado que tinha agora uma das “paredes” rasgadas. O cheiro, as palavras no plástico, desenhos, restos de comida e urina denunciavam a ausência de um corpo que por ali estivera.

A última ação do dia Partes de um todo de Fernando Audmouc, reflete, literalmente, sobre as imagens diante das quais os indivíduos se constituem. O artista, com o rosto coberto lembrando os destacados black blocs da atualidade, carregava uma série de pequenos espelhos que um a um foram sendo estilhaçados em uma espécie de ritual de magia, no qual os espectadores eram convidados a se olharem no espelho antes desse ser destruído.

Partes de um todo, de Fernando Audmouc. (Foto: Luiza Palhares)

Os inúmeros cacos de vidro espalhados pelo chão fizeram misturar todas aquelas imagens captadas e ali, na sopa de vidros que se derramara, já não se podia dizer a quem pertenciam tantos fragmentos. Alguns pedaços foram sendo colados ao figurino do artista, tornando-se assim imagens integrantes daquele corpo.

Cacos da identidade. (Foto: Luiza Palhares)

Assim como Priscila, a questão que Fernando parece apontar em sua obra, diz respeito à complexa formação de identidades, aos elementos que a constituem e que estão, invariavelmente, em escape. A angústia humana de ser um eu - pertencente a uma cultura -, talvez tenha bases nessa tentativa de se juntar partes em prol do perseguido ideal da completude, enquanto, a bem da verdade, somos seres incompletos por natureza. Sempre em construção.
 


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