Graziela Andrade
Logo pela manhã, Wagner Rossi
construiu sua habitação no mezanino do museu, tendo a lagoa como paisagem de
fundo. Nela, ele se instalou acompanhado por alguns apetrechos que lhe permitiram
interagir pela transparência do plástico e passar parte do dia “enjaulado”, sob
os olhos de passantes curiosos.
![]() |
Wagner Rossi em sua habitação. (Foto: Luiza Palhares) |
Já no começo da tarde, Priscila
Rezende também provocou amarras na performance
Laços. Podemos pensar que no cerne da proposta da jovem artista está o
eterno enigma filosófico que interroga o imbricamento entre o eu, o sujeito e o
corpo. O que minha aparência diz a respeito do que sou? O que, do que dizem
para mim e sobre mim, é realmente meu? Que palavras guardam meu corpo?
![]() |
Laços, de Priscila Rezende. (Foto: Luiza Palhares) |
Buscando se descolar do discurso do
outro, Priscila desnudou e expôs seu corpo a dor, em um rito no qual piercings eram instalados em sua pele e
davam passagem a fitas vermelhas que, em seguida, eram amarradas aos pilares do salão nobre do MAP. O resultado dessa ação pode ser interpretado através da
imagem que se forma, ou seja, a de um corpo que sustenta e é sustentado por
suas próprias amarras.
O curioso é que ao fim da obra, no momento de se livrar
dos nós, os acionados para desfazer os laços vieram do público – figuras que
são a representação do outro e de quem, definitivamente, não é possível "se livrar".
![]() |
Entrelaçamentos no MAP. (Foto: Luiza Palhares) |
Em mais uma passagem por Onde habito não existe mosquito, a
solitária tela plástica de Wagner já se apresentava em transição, ou melhor, em
apropriação pelo homem que ela, ao mesmo tempo, isolava e exibia. O espaço
construído começara a apresentar os rastros da presença de um corpo e de suas
interações com o que lhe era externo, assim se espalharam por aquela interface
registros textuais, imagens, folhas e buracos, que foram propondo atravessamentos
entre o dentro e o fora.
![]() |
Onde habito não existe mosquito, de Wagner Rossi. (Foto: Luiza Palhares) |
Enquanto isso dava-se início a mais uma provação
ao corpo em Revolver: para sua segurança,
de Mendes Jacinto. A proposta explicita a violência cotidiana a qual estamos expostos
e que, a qualquer instante, pode fazer de nossos corpos, alvo de um projétil
inesperado. Um estêncil fez surgir, durante a performance, a imagem de um revólver que era encarado pelo artista,
enquanto uma enfermeira lhe tirava o sangue, completando tubos laboratoriais. O
destino do fluido foi preencher os cartuchos para os quais a arma imaginária
apontava
![]() |
Revolver, de Mendes Jacinto. (Foto: Luiza Palhares) |
É tão certeira e manifesta a
questão proposta por Mendes, como é o problema da violência humana, visto,
experimentado e enfrentado diariamente por todos nós. Mas, para além dessa
evidência, é tão obscuro o caminho do combate à brutalidade humana quanto é
exato o fato de que, não há volver no disparo de uma arma.
A esta altura rompera-se no
mezanino o invólucro plástico que fazia solitário, mas comunicável o corpo que
abrigava. Cerca de seis horas de habitação deixaram o espaço apropriado por
Wagner com inúmeros registros sensíveis que puderam ser percebidos pelos mais
interessados, enquanto ocupavam o cercado que tinha agora uma das “paredes”
rasgadas. O cheiro, as palavras no plástico, desenhos, restos de comida e urina
denunciavam a ausência de um corpo que por ali estivera.
A última ação do dia Partes de um todo de Fernando Audmouc, reflete, literalmente, sobre as imagens diante
das quais os indivíduos se constituem. O artista, com o rosto coberto lembrando
os destacados black blocs da
atualidade, carregava uma série de pequenos espelhos que um a um foram sendo
estilhaçados em uma espécie de ritual de magia, no qual os espectadores eram
convidados a se olharem no espelho antes desse ser destruído.
![]() |
Partes de um todo, de Fernando Audmouc. (Foto: Luiza Palhares) |
Os inúmeros cacos de vidro
espalhados pelo chão fizeram misturar todas aquelas imagens captadas e ali, na
sopa de vidros que se derramara, já não se podia dizer a quem pertenciam tantos
fragmentos. Alguns pedaços foram sendo colados ao figurino do artista, tornando-se
assim imagens integrantes daquele corpo.
![]() |
Cacos da identidade. (Foto: Luiza Palhares) |
Assim como Priscila, a questão que
Fernando parece apontar em sua obra, diz respeito à complexa formação de identidades,
aos elementos que a constituem e que estão, invariavelmente, em escape. A angústia
humana de ser um eu - pertencente a
uma cultura -, talvez tenha bases nessa tentativa de se juntar partes em prol do
perseguido ideal da completude, enquanto, a bem da verdade, somos seres incompletos por natureza.
Sempre em construção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário